terça-feira, 12 de novembro de 2013

Colcha de Retalhos


Há em mim um poema
Colcha de retalhos
Quadrados intermináveis
Flores, bordados,tramas
Tranças e formas
Desencontradas
Agulha  perfurando o dedo
Que sangra versos
Calados.
Há em mim um poema resistente
Indecente ,decadente ,morrente
Urgente.
Poema de parir versos a fio comprido
Medido , de texturas de pele
Rugas poesias escondidas na face
Sulcos esculpidos ,vincos delicados
Seda pura,algodão e linho.
Há em mim um poema vestido
De frestas .
Fenda que rasga destinos
Minha sina.  
 Musica
Que nunca termina em fado ou em festa.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

CHARUTOS

Meu irmão José Luís almoça comigo nas segundas feiras. Temos hábitos alimentares diferentes, mas nas segundas feiras procuro fazer pratos que cubram essa diferença de gostos. Devo confessar que nem sempre tenho sucesso, pois minhas habilidades culinárias são precárias e o paladar dele, exigente.
Conversando com ele no sábado, falei da possibilidade de fazer charutos para o almoço de hoje. Meu distinto convidado apressou-se em recomendar:
- Use todos os temperos árabes que tiver... e não se esqueça de deixar uns quatro meio tostadinhos no fundo da panela.
Temperos árabes! Tenho pimenta síria, óleo de gergelim e cardamomo. Hortelã e cebolas nacionais. Salsa e cebolinha, idem. Tomates também.
Domingo de manhã fui ao Verdurão Parque comprar o repolho. Pesquisei nas prateleiras dos condimentos algum tempero pronto para kafta ou quibe, para dar um toque árabe. Não tinha. Quero crer que a Knorr ainda não produz esses sabores. O jeito é me virar com o que tenho. Mas não pretendo usar o óleo de gergelim. Usarei azeite de oliva. Aquele que foi motivo da briga com o meu amigo italiano. Mas isso é outra história.
Hoje acordei mais cedo que de hábito. Preparei o café da manhã com meus pensamentos totalmente voltados para o almoço. Nunca fiz charuto. Tenho uma vaga idéia da receita, mas sou ousada. Li algumas mensagens de auto-ajuda que afirmam que quando gente deseja intensamente uma coisa, o Universo conspira a nosso favor e essa coisa se realiza. Desejo fazer charutos, portanto vou conseguir. Pelos poderes da colher de pau, eu vou conseguir!
Foi nesse clima de auto-confiança que, por volta das dez horas da manhã, teve início uma odisséia na minha cozinha.
Primeiro foi o repolho. Tentei tirar uma folha que se partiu. A segunda também. Telefonei para a vizinha que é cozinheira profissional, pedindo instruções. “Tem que cozinhar o repolho inteiro e depois que as folhas estiverem macias, tirar cuidadosamente, uma a uma”. Anotado.
O repolho é enorme. Pego uma panela grande, encho de água e coloco para ferver. Assim que a fervura começa coloco o repolho lá dentro. A água transborda e inunda o fogão. Com muito cuidado para não me queimar todinha, levo a panela pesada até a pia e despejo o excesso de água. Enxugo o fogão e reponho a panela no fogo. Enquanto espero que ele fique macio, tempero a carne já moída. De repente me lembro que tinha de deixar o arroz de molho na água fervente (instrução número 2 da vizinha). Os poderes da colher de pau estão pifando. É hora de invocar Aladim ou a Jennie-gênio.
Nenhum dos dois na linha, esquento mais água para por o arroz de molho. Volto ao tempero da carne. Olho o repolho. Ponho o arroz de molho. Penso que uma omelete seria o ideal para o almoço. Ou ovos fritos. Mas é tarde para voltar atrás. Já que é tarde, tomo uma xícara de café – sentada que é para relaxar. Coloco um CD da Rita Lee para melhorar o astral e ouço “que tal nós dois, numa banheira de espuma...” Tudo o que eu preciso: um banho relaxante, numa banheira de espuma. Ficar de molho... Molho? Ai meu Deus! O repolho! Olho. Cozinhou demais. As folhas estão transparentes. Tiro a panela rapidamente do fogo e despejo tudo na pia, rezando para o repolho não esborrachar. Prece atendida. Resfrio o repolho ardente debaixo da torneira para poder manuseá-lo. Manusear, no caso, significa pegar folha por folha e cuidadosamente tirar o talo de cada uma delas, fazendo uma pilha de folhas destaladas que serão recheadas com a mistura de carne e arroz. É claro que esqueci o arroz de molho. Largo o repolho e escorro a água do arroz e misturo com a carne. Minha fada-madrinha! Onde estás? Tomo a decisão de me tornar radicalmente vegetariana. Ou de telefonar para disk entrega do restaurante Cedro do Líbano na próxima vez que resolver comer charutos.
Só não choro porque a Rita Lee não deixa. Estoicamente (aprendi essa palavra na Escola Normal, com o professor Marcelino que não sabia nada de filosofia, mas tinha uma linda voz de barítono), começo a encher as folhas de repolho com a mistura e fechar os pacotinhos que deveriam ter a forma de charutos. Sem muito sucesso. Alguns pacotinhos ficam meio rasgados. Tudo bem. Explicarei para o meu irmão que se rasgaram durante o processo de cozimento. Uns vinte pacotinhos depois, os charutos estão prontos para a panela. O mais difícil está feito. Nem preciso me preocupar em deixar uns quatro mais tostadinhos no fundo da panela. Minha comida sempre queima mesmo. Tiro a Rita Lee do aparelho de som e coloco Haendel. Aleluia!


(Marisa)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Catarse (para Dida)


Não.
Não titubeio
Vou e cravo palavra morteira.

Para que deixar as lágrimas molharem
Os panos de prato?
Ainda que molhassem a maquiagem,tudo bem
Acostumou-se a olhos de rímel borrado
Mas os panos de prato - coisa delicada,lindamente bordados
Amigos do dia a dia,não,estes não podem ser maculados
Precisam limpar os cristais,a cristaleira,o fogão,a frigideira
Aprenda a engolir o choro,construa uma cachoeira interna
Afogue as lágrimas no tanque,na pia ,no vaso sanitário
Poupe os panos de prato,os guardanapos,os aventais
Vá chorar no quintal,entre as plantas e os azulejos branquinhos
Lavados e esfregados semanalmente .Faça meia volta, volver
Volte a para a cozinha, lustre a panela, a caçarola..vamos ,deixe de inhola
Dobre milimetricamente todas as sacolas plásticas  e guarde na gaveta do armário
Devidamente polido com óleo de peroba e secado com flanela
Depois vá para o quarto ,mas não para dormir. Arrume a cama como se fosse uma camareira de
Hotel cinco estrelas. Chinelo par com par,sapatos pé com pé. Separe lençol liso de lençol estampado ou listrado.Não se olhe no espelho,limpe-o, você não tem tempo pra isso,ainda precisa cuidar do cachorro, da sogra,preparar o almoço do dia seguinte.
Não chore,você pode molhar pijama ou camisola,pode manchar a colcha da cama já estendida
,esticada,quase morta,como você, após todo este dia.
Se sobrar tempo, pinte as raízes do cabelo e passe base nas unhas,mulher vaidosa e preguiçosa.


(postado com o devido consentimento da Dida que leu e adorou!!

terça-feira, 31 de maio de 2011

Quando me calo.


Todos se calam diante da dor e da morte
Eu não.
Preciso falar pra compreender
 Alguns mistérios
 me calo diante da vida
Mistério tão previsível.


(Procuro um silencio que fale comigo)

Existirmos,a que será que se destina?

Tanto faz se o Pai
 É o esperma
Ou o  barro
Tanto faz se a mãe é Maria
Ou Joana
O que importa é o Filho
Cordão umbilical
Colostro ,luz
Rei , reza,razão
Manhãs não dormidas
Mãos ,colo ,canção..

Sorte de não ser anjo

Sobre os ombros pesam os fardos
Antítese de asas
Que nunca tive
Mas tenho esta carga, que embora pesada
É dote ou mina
Mapa da vida
Rústicas e delicadas rotas vividas
Na intensidade que pude viver

(ou a poesia que comporta meu quintal )

 Não voei
 Mas percorri escombros
 Domei burro bravo
 Chicote no lombo
 Caminhei léguas sob o mesmo céu azul
 Em que as asas (que nunca tive)
 Levitaram .

A diferença :

Sou frágil,contenho poesia .

Quando o inverno chega

Calçada fria na madrugada
Acolhe o silencio da rua
Ritual de inverno
Ambas à espera
Do abraço definitivo

Aconchego.