terça-feira, 31 de maio de 2011

Quando me calo.


Todos se calam diante da dor e da morte
Eu não.
Preciso falar pra compreender
 Alguns mistérios
 me calo diante da vida
Mistério tão previsível.


(Procuro um silencio que fale comigo)

Existirmos,a que será que se destina?

Tanto faz se o Pai
 É o esperma
Ou o  barro
Tanto faz se a mãe é Maria
Ou Joana
O que importa é o Filho
Cordão umbilical
Colostro ,luz
Rei , reza,razão
Manhãs não dormidas
Mãos ,colo ,canção..

Sorte de não ser anjo

Sobre os ombros pesam os fardos
Antítese de asas
Que nunca tive
Mas tenho esta carga, que embora pesada
É dote ou mina
Mapa da vida
Rústicas e delicadas rotas vividas
Na intensidade que pude viver

(ou a poesia que comporta meu quintal )

 Não voei
 Mas percorri escombros
 Domei burro bravo
 Chicote no lombo
 Caminhei léguas sob o mesmo céu azul
 Em que as asas (que nunca tive)
 Levitaram .

A diferença :

Sou frágil,contenho poesia .

Quando o inverno chega

Calçada fria na madrugada
Acolhe o silencio da rua
Ritual de inverno
Ambas à espera
Do abraço definitivo

Aconchego. 

quarta-feira, 4 de maio de 2011

COGITO

Como seriam as minhas mãos
se meus braços tivessem
a mesma freqüência atômica
da mesa onde me apoio?
E se os deuses, que me sonham, despertassem?
Será azul o céu que vejo,
ou meus olhos foram adestrados
para enxergarem azul esta obstrução específica da luz?
Existo, penso, sou pensada?
Logo... Logos?

Porque só a maturidade nos permite
abandonar todas as sólidas certezas
e perscrutar a meta/física?
Por que me penso, ou sou pensada,
pensando que em tudo existe
peso, matéria e vida limitada?

Apoio a minha mão na mesa
e tenho a confortável sensação
de que a mesa existe
e sobre ela repousa a minha mão.
Impeço o colapso da razão.
Ou não?

Praça da Sé

Praça da Sé
            Maricell


.
Um chicote que explode no ar
A mão que se estende em direção ao nada
Capoeira
Contínua luta de sobreviver
Num mundo desigual...
Olhos vazios
Bocas famintas
Olhar de medo
A olhar o medo no olhar
dos que ali vagueiam...
Bugigangas
Fumaça
Jogo
Trapaça
Trapos
Farrapos
Espalhados pela praça...

 
Em frente, a Catedral...

Passar...
E passo a passo

-ria
-da-             
-ca-                           
-es-                                     
-a-                                                   
-bir-                                                             

-Su-                                                                           

 
Transpassar o portal...
Silêncio...
O canto que se ouve em cada canto
É de paz...
É outro o tempo que se faz neste templo
A luz a adentrar pelos vitrais
Confunde as horas
E o passado se faz presente...
Pinturas, esculturas, mármore rosa
Enormes pilares
Torres
Imenso silêncio...
Tudo conduz à reflexão
E fica-se a pensar
 
Na capacidade do Homem

Que constrói o belo
Que transforma madeira, vidro, pedra e aço
Em poemas de amor e vida
Como operário
Sempre em construção...
E fica-se a pensar
Na capacidade do homem
Que da madeira, do vidro, da pedra e do aço
Faz armas
Para a destruição... 
A mesma luz que ilumina os “lá de fora”
Perpassa pelos vitrais
E em difusa luz
Ilumina os que aqui estão... 
Des-
               -cer-
                            -a-
                                    -es-
                                                -ca-
                                                             -da-
                                                                          -ria-
onde tantos já pisaram
Vozes a clamar por justiça
Mãos a pedir pão
Olhos a pedir amor... 
Escadas...
Elos interligando mundos que se entrelaçam
Em tão iguais
E (in) diferentes espaços...
Olho...
Nada faço...
Apenas  passo...
                                           Maricell - maio 2004

poema de Maria Célia Zanirato

terça-feira, 3 de maio de 2011

Circularidade

No princípio, Deus traçou
uma linha com o compasso
e criou o círculo.
E disse o Criador: - Façamos o homem
à nossa imagem e semelhança
para que invente a roda.
E o homem fez-se roda
- princípio e fim em si mesmo -
plano da esfera.

Roda-viva, em cujo eixo
gira o mundo,
roda a vida.

Roda-brinquedo - ciranda
que queremos cirandar
rodam os pequeninos.
Gira a roleta, roda a fortuna,
ganha aqui, perde acolá.
Roda a saia, gira a flor,
dança a linda Colombina,
rola uma lágrima dos olhos de Arlequim.

Rodam as engrenagens das máquinas
que fabricam vida e excretam morte
(uma girândola arremessa mil foguetes
sobre o céu de Bagdá).
A pantomima global invade o circo.
Um disco laser confisca a sinfonia
e uma lente circular sonda o espaço
em busca do compasso

Marisa Zanirato

2004

Partiu
repleta a casa
do partilhado vazio

Partiu
suas sombras, suas teias
sua desconhecida tessitura
ignorada urdida

À frente:
desconhecida imagem
dispersos fragmentos

De tal incompleto
mosaico
inteira-íntegra pessoa:
alheios olhos
não a refletem
mais

Adalgisa Zanirato

Prece

Oh, Deus,
proteja-nos - a tantos
pais, filhos
e espíritos
(nem sempre santos)

Neusa Zanirato

Pós lenda

Para o Cisne que amou Leda)


...e quando tão de leve
os pés tocaram o chão
um sorriso quase esquecido
iluminou os olhos
e repousou as plumas.

E a brisa devagar
foi apagando
os restos da viagem
e o deus do esquecimento
tocou-lhe a fronte.

E pétalas se espreguiçaram
e se abriram devagar
como acordadas
de séculos de sonho
e escuridão.

e desde então
um bailado de pétalas e penas
em ritual que faz possível
conceber Helenas
celebra a manhã de cada dia. 
 
Poema de Máyda Zanirato