terça-feira, 15 de março de 2011

COM EIRA E COM BEIRA

O jardineiro José foi contratado em janeiro. Filho de bom jornaleiro, já fora padeiro e pedreiro. Nunca quis ser carpinteiro; sonhava, sim, ser bombeiro.
Casou-se com Cida Pereira, que morava em Madureira, reconhecida costureira que vendia roupas na feira. Filha de uma bordadeira, sempre chegava primeiro com a cafeteira na feira.
Tiveram a filha primeira numa linda quarta-feira, pelas mãos de uma parteira vinda lá de Oliveira.
A filha teria carreira, lhes dizia a benzedeira, enquanto tagarelavam embaixo d'uma parreira.
A vida corria ligeira e por isso nunca viam o dinheiro na algibeira. Uma vida alvissareira era o sonho do casal em meio a tanta mesmeira. Um dia, já bem cansados, de ser sem eira nem beira, decidiram procurar a boa sorte estrangeira.
Pegaram a filha nos braços, e sem qualquer choradeira, partiram pra Cazajeiras na última sexta-feira.

(Neusa Zanirato)

Prelúdio

Há dias que preciso rebordar versos para que não desbotem
verso é coisa delicada, há que tratá-lo com muito esmero
há dias que preciso libertar os versos presos na garganta
verso é coisa rouca, silencioso, noturno
há dias que preciso dar rumo aos versos,desobrigá-lo das palavras
verso é coisa que flui, onda arrebentando na praia.
Ser verso dói.
a intenção do verso é ser palavra, porque a palavra é solta
só o verbo amarra as palavras
o verso cogita ser verbo
habitar entre os homens
Prelúdio de luz.